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sábado, 12 de outubro de 2013

DIÁLOGO E MEDIAÇÃO DE CONFLITOS


             O que somos nós seres humanos sem a palavra?
            Quando refletimos nossa vida e as relações que vamos estabelecendo na sociedade em que estamos inseridos, percebemos que só existimos e nos constituímos enquanto sujeitos através das relações com o outro. Pois, o ser humano só pode ser pensado na relação com o outro. Relações estas, que são sempre mediadas pela linguagem. Desde que nascemos estamos inseridos no mundo da linguagem e vamos aprimorando-a com o passar dos tempos. Segundo Dias (2010, p. 01), a linguagem pode ser entendida como uma inter-ação que acontece entre os sujeitos organizados e pertencentes a uma mesma comunidade linguística. Ou seja, a linguagem surge da interação entre os sujeitos que enquanto seres sociais interagem uns com os outros.

            A linguagem permite a mediação entre os sujeitos envolvidos em suas diversas formas de relações na sociedade, bem como no processo ensino-aprendizagem. Esta mesma linguagem que me identifica enquanto sujeito, e permite a constituição da minha singularidade, também provoca conflitos. Muitas situações de conflito que acontecem tanto nas escolas como em qualquer esfera da sociedade, acabam parando no poder judiciário, ou seja, na Justiça Retributiva. Práticas estas, que não respeitam a dignidade da pessoa humana e seus direitos, apenas castigando e punindo e, que estão cada vez mais desacreditadas perante a sociedade.

         Alguns países como Nova Zelândia, Canadá e Austrália passaram a adotar práticas de Justiça Restaurativa como forma de promover uma maior participação da sociedade nas respostas à criminalidade existente. O modelo deu certo e está sendo adotado por outros países, inclusive o Brasil. A Justiça Restaurativa surge como oportunidade de promoção dos direitos humanos buscando a cultura da paz, através de seus princípios e valores. A Justiça Restaurativa surge como uma nova proposta na mediação dos conflitos presentes na sociedade e também dentro das escolas, procurando despertar uma cultura de paz. Os sujeitos envolvidos, vítima e agressor, participam ativamente ouvindo e compreendendo o sentimento do outro em relação ao fato ocorrido. É um processo voluntário, para tanto, ambas as partes envolvidas necessitam colaborar e cumprir com os acordos estabelecidos.

            A Justiça Restaurativa baseia-se num procedimento de consenso, em que a vítima e o infrator, e, quando apropriado, outras pessoas ou membros da comunidade afetados pelo crime, como sujeitos centrais, participam coletiva e ativamente na construção de soluções para a cura das feridas, dos traumas e perdas causados pelo crime. (PINTO, 2005, p. 20) 

         O modelo restaurativo é uma proposta nova, baseada no diálogo e no acordo. Neste modelo, a linguagem é utilizada como alternativa para prevenir, mediar e resolver situações de conflito e/ou violência em diferentes ambientes da sociedade. Através do diálogo e da comunicação não violenta as partes buscam uma reparação para o mal sofrido e a restauração de cada um dos envolvidos no conflito. O profissional que realizará a mediação, num primeiro momento ouvirá ambas as partes a cerca do fato ocorrido, suas causas e consequências, preferencialmente em um local neutro. Posteriormente, os sujeitos podem apresentar soluções, discutir e propor um acordo. 

             O mediador exerce um papel muito importante nesse processo, é ele o responsável por conduzir o diálogo, devendo manter sigilo e discrição sobre os assuntos abordados. Ou seja, “a mediação representa assim um mecanismo de solução de conflitos utilizado pelas próprias partes que, movidas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória”. (SALLES, 2007, p.23) 

          A proposta da mediação de conflitos permite que ambas as partes saiam ganhando, ou seja, procura-se alcançar o sentimento de satisfação mútua. Pois, é necessário que se passe de um sentimento individual de defesa de ponto de vista, para um sentimento de cooperação, de colocar-se no lugar do outro. O mediador não oferece uma solução pronta ao caso, mas conduz e orienta ás partes para que chegue a um consenso, uma solução. “O mediador é o terceiro neutro que intermedia as relações entre as partes. Não decide.” (MORAIS, 1999, p. 152). É através do diálogo pacífico que o mediador conduzirá as partes a uma solução e um acordo satisfatório para o conflito. Práticas restaurativas que priorizam o diálogo respeitoso e inclusivo, já estão sendo vistas de forma positiva em muitas escolas. Após ouvir as partes e chegar-se a um acordo, os estudantes recebem intervenções direcionadas. O foco principal está sempre em consertar e reconstruir as relações entre os sujeitos envolvidos no conflito, fortalecendo a busca por uma cultura de paz no ambiente escolar. 

          Entre os principais benefícios da Justiça Restaurativa nas unidades educativas destacam-se escolas com mais segurança, respeito mútuo e diálogo, onde a aprendizagem acontece com sucesso e todos aprendem mais e melhor; formação de cidadãos responsáveis por suas escolhas e cientes de seus direitos e deveres; escolas com mais autonomia, integradas as redes de apoio e promotora de uma cultura de paz em seu ambiente e consequentemente, na sociedade em geral. 

        Desde os tempos mais remotos muitos povos se reuniam em círculos para debater a vida da comunidade, resolver problemas, apoiar uns aos outros. A dinâmica circular foi adotada pela Justiça Restaurativa. No diálogo em práticas circulares todos mantém a mesma distância do centro, ou seja, estão no mesmo patamar, em situação de igualdade. O processo é mediado por um coordenador que concede a palavra aos demais participantes de forma organizada, ocorrendo momentos de fala e escuta. Esses Círculos estão sendo realizados em contextos cada vez mais variados, oferecendo espaços onde pessoas com visões muito divergentes podem se reunir para falar francamente sobre conflito, dor e raiva, e sair se sentindo bem em relação a si mesma e aos outros. (PRANIS,2010, p.18) 

          A proposta de realização de Círculos de Paz nos espaços escolares ajuda na compreensão da realidade em que se vive, do que são direitos humanos, da necessidade de garantir esses direitos e dos desafios e problemas que enfrentamos diariamente em nossa sociedade. Quando se fala em Cultura de Paz, é necessário entender primeiramente o que é a paz e como cultivá-la, para depois, educar para a paz. Nenhum ser humano nasce sabendo o que é violência ou o que é paz, isso nos é ensinado, através do que é transmitido na família, na escola, através da mídia e na sociedade. 

           Diversas experiências vêm demonstrando que as práticas de diálogo em círculos são bem aceitas pelos participantes e apresentam resultados positivos. Ao falar e ser ouvida, a pessoa sente-se aliviada depois de expor seus sentimentos e ser compreendida. E, através da linguagem e de uma comunicação não violenta, é possível reestabelecer a harmonia entre as partes. Resgatando valores como o respeito, a cooperação, a igualdade e a dignidade da pessoa humana. 

 Referências: 
DIAS, Ana Beatriz Ferreira. A justiça restaurativa por um viés de pesquisa em linguagem: por uma nova visão de mundo. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/sited/arquivos/AnaBeatrizFerreiraDias.pdf Acesso em: 08 de julho de 2013 
MORAIS, José Luís B. de. Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. 
PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça Restaurativa é Possível no Brasil? In: SLAKMON, C., R. De Vitto, e R. Gomes Pinto, org., 2005. Justiça Restaurativa (Brasília – DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD). 2005, Cap.1, p.19-40 
PRANIS, Kay. Processos Circulares. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2010 SALES, Lília Maia de Morais. Mediação de conflitos: família, escola e comunidade. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.

Ana Maria Klidzio
Professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental
Colégio Estadual Athayde Pacheco Martins de Ubiretama

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